O aumento da longevidade e das doenças crónicas têm conduzido a um aumento significativo do número de pessoas com doença incurável, sendo aceite que os cuidados centrados na doença não se coadunam com as necessidades destas pessoas e o uso de técnicas e tecnologias que prolongam a vida, provocam muitas vezes sofrimento inútil, que importa evitar.
A preocupação com o cuidado à pessoa em fim de vida não é recente, tendo surgido há vários séculos e estando essencialmente ligada a ordens e a movimentos religiosos que desenvolviam esta atividade por caridade, nos hospícios. Em 1840, em França, os hospícios eram utilizados para abrigar peregrinos e para cuidar os moribundos. A partir desta época, vão surgindo aos poucos hospícios por todo o mundo, até que em 1967, os cuidados paliativos sofrem um grande impulso em Inglaterra com a criação do Cristopher’s Hospice, em Londres, pela Dra Cecily Saunders. A partir daqui começa a disseminar-se pelo mundo uma nova filosofia sobre o cuidar, baseado em dois elementos fundamentais: controlo efetivo da dor e controlo dos sintomas recorrentes da doença e dos tratamentos.
Indiscutivelmente a evolução da doença terminal condiciona a pessoa a uma série de perdas sucessivas, colocando em perigo o seu equilíbrio. O fim de vida é descrito pela maioria dos autores (Twycross, 2003; Martins 2014) como sendo o período de todos os medos, medo da dor, da dificuldade respiratória, da mutilação, de sofrer sintomas penosos, de piorar ainda mais, da solidão, dos outros, do abandono e da morte. Situações como choque, negação, raiva, instabilidade emocional e ansiedade são frequentemente acompanhados por distúrbios do sono, falta de concentração e apatia. Estas reações são habituais e podem muitas vezes originar distorções quanto ao prognóstico e tratamento. É importante ter presente que o fim de vida pode ser marcado pela incurabilidade mas o tratamento não deixa de ser ativo já que a sua finalidade é o controlo dos sintomas que produzem sofrimento e que podem interferir com as vertentes emocionais, comportamentais, sociais, espirituais e religiosas (Sapeta, 2010).
Assim, acompanhar a pessoa em fim de vida realça a importância do cuidar humano sem atender à doença, à idade ou à condição da pessoa, destacando-se o papel do enfermeiro com intervenções propiciadoras de uma melhor qualidade de vida, prevenção do sofrimento e preservação da dignidade da pessoa, independentemente do contexto em que a pessoa esteja inserida. Como é entendível, o cuidado à pessoa em fim de vida em psicogeriatria, pressupõe a mobilização de competências técnicas, científicas e relacionais. Exige-se, que os profissionais estejam preparados para prestar cuidados à pessoa na sua globalidade, tendo em conta os aspetos físicos, psicossociais e espirituais afetados (Fernandes, 2016). Estes cuidados podem ser prestados em unidades específicas, mas também em todas as unidades de internamento como é o caso das unidades de psicogeriatria, na comunidade, em equipamentos sociais de apoio a pessoas idosas ou no domicílio.
Para a maioria dos autores consultados como Kubler-Ross (1998), Twycross (2003) e Martins (2014), uma forma de aliviar este tipo de necessidades passa pelo fortalecimento da relação terapêutica com os elementos da equipa multidisciplinar, estabelecendo uma comunicação clara, aberta e serena de modo a que doente e família se sintam compreendidos, acompanhados e ajudados nesta fase da vida. Em hospitalidade, salienta-se a importância da presença, da escuta ativa, do toque, do acolhimento, do envolvimento da família na prestação de cuidados e nas decisões que dizem respeito às intervenções a realizar e do suporte às famílias em luto como forma de atingir o lado escondido da dor emocional. Para que tal aconteça a família deverá, sempre que possível, estar presente e ajudar, sendo acolhida na instituição e na unidade de internamento, uma vez que muitas vezes conhecem os seus familiares nos seus costumes, anseios, medos e desejos mais profundos.
Também o cumprimento das normas deontológicas tem como intuito promover uma prática profissional moralmente correta, eficiente e atualizada e, no contexto do cuidado à pessoa em fim de vida, o enfermeiro assume o dever de “defender e promover o direito do doente à escolha do local e das pessoas que deseja que o acompanhem na fase terminal da vida; de respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas e de respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte” (Código Deontológico do Enfermeiro, 2005).
Pelo exposto, as intervenções dirigidas à pessoa em fim de vida em psicogeriatria devem ser humanistas e estar direcionadas para a avaliação sistemática dos sinais, sintomas, necessidades e espectativas da pessoa, incluir a implementação de intervenções farmacológicas e não farmacológicas com a avaliação, monitorização e registo das mesmas, promover uma reflexão interdisciplinar no estabelecimento de prioridades para cada doente e intervir na dinâmica familiar, de forma a ajudar o doente e a família nesta fase de vida.
Por Rosa Simões – Enfermeira Chefe na Unidade de Psicogeriatria Santa Isabel, Casa de Saúde Rainha Santa Isabel (Condeixa-Portugal).
Referências Bibliográficas
Fernandes, J. (2016). Apoio à família em Cuidados Paliativos. In A. Barbosa, P. Pina, F. Tavares & I. Neto (Eds). Manual de Cuidados Paliativos (3ª edição, pp. 653- 663). Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa.
Nunes, L., Amaral, M. & Gonçalves, R. (2005). Código deontológico do enfermeiro: dos comentários à análise de casos. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros
Martins, F. (2014) Cuidar do Doente Terminal no Domicilio – Experiências dos Enfermeiros. Viana do Castelo: Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
Sapeta, P. (2010). Cuidar em fim de vida: o processo de interacção enfermeiro-doente. Lisboa: Universidade de Lisboa com participação da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Doutoramento em Enfermagem.
Twycross, R. (2003). Cuidados Paliativos. Lisboa: Climepsi Editores. ISBN: 972-796- 093-6.
Kubler-Ross, E. (1998) – Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Livraria Martins Fontes, Editora Ltda., 1998; 296p. ISBN: 85-336-0963-9.